Janela de Overton
Que as pautas vigentes na sociedade podem ser escolhidas pela imprensa, pelas propagandas, pelos políticos, pelos ativistas, etc, todos nós já sabemos. Mas uma teoria bem mais "recente" – de meados da década de 1990 – e suplementar veio nos mostrar que esses diversos atores sociais podem estar escolhendo não só o que pensamos, mas como. Breno França
O conceito foi elaborado por Joseph P. Overton e chamado de Janela. Mais tarde, assim como o Teorema de Pitágoras e as Leis de Newton, o termo assumiu a alcunha do autor e passamos a chamá-lo de Janela de Overton.
Resumidamente, ele estabeleceu que as opiniões sobre todos os assuntos podem ser enquadras num espectro alocado numa faixa que vai desde o absolutamente contrário até o absolutamente favorável. Esse espectro representa onde está alocada a opinião pública (ou da grande maioria dela) e passou a ser chamado de janela.
O experimento, porém, mostrou também que, além das ações naturais, agentes podem interferir deliberadamente no deslocamento dessa janela e movê-la no sentido que desejarem ao influenciarem a opinião pública. A esses agentes – que podem ser desde políticos até youtubers –, Overton chamou de Think Tank, ou seja, aqueles que desviam o foco da questão principal e começam a pautar assuntos adjacentes para tornar o discurso mais aceitável até que a percepção das pessoas seja deslocada.
Etapa 1: do impensável ao radical
Na primeira etapa, o canibalismo está abaixo do nível mais baixo de aceitação da janela de Overton. A sociedade a considera uma prática própria de imorais ou sociopatas. Essa ideia é considerada repugnante e alheia a toda moralidade. Neste ponto, a janela está fechada e não se move.
Para começar com a mudança de opinião, a ideia é transferida para o campo científico, já que para os cientistas não deve haver temas tabus. Assim, a comunidade intelectual analisaria as tradições e rituais de algumas tribos, ao mesmo tempo em que se cria um grupo radical de canibais que são advertidos pelos meios de comunicação.
Etapa 2: do radical ao aceitável
Depois da etapa 1, a ideia passou de impensável a ser discutida. Na segunda etapa, é buscada a aceitação da ideia. Com as conclusões dos cientistas, poderão ser considerados intransigentes aqueles que se recusarem a adquirir conhecimentos sobre o assunto tratado.
As pessoas que resistirem começarão a ser vistas como fanáticos que se opõem à ciência. Os intolerantes são condenados publicamente à medida que a ideia vai perdendo suas conotações negativas, chegando a mudar o nome do canibalismo para antropofagia ou antropofilia. Pouco a pouco, a mídia faria com que o fato de comer carne humana pudesse ser considerado aceitável e respeitável.
Etapa 3: do aceitável ao sensato
Conseguindo que o consumo de carne humana se torne um direito comum, poderia ir de uma ideia em princípio inaceitável para algo sensato. Enquanto isso, aqueles que continuam se opondo à ideia continuarão sendo criticados. Essas pessoas passariam a ser consideradas radicais que são contra um direito fundamental.
Por outro lado, a comunidade científica e a mídia insistiriam que a história humana está repleta de casos de canibalismo, sem que isso fosse estranho para as sociedades antigas.
Etapa 4: do sensato ao popular
Nestes momentos, o canibalismo se torna um tema favorito. A ideia começa a ser mostrada nos filmes, nas séries de televisão e em qualquer outro método de entretenimento como algo positivo. Ao mesmo tempo, personalidades históricas que estejam relacionadas a essas práticas são elogiadas. O fenômeno é cada vez mais presente e sua imagem positiva continua a ser reforçada.
Etapa 5: do popular ao político
Finalmente, a janela de Overton, fechada no começo, se abre aos poucos. Nesta última etapa, o aparato legislativo que irá legalizar o fenômeno começa a ser preparado. Os defensores do canibalismo estão consolidados na política e começam a buscar mais poder e representação.
Assim, uma ideia que a princípio era impensável e imoral em todos os seus aspectos, chegou a se estabelecer na consciência coletiva como um direito por meio de uma teoria que pode mudar a percepção pública sobre qualquer ideia, por mais absurda que possa ser.
A dica é a mesma que todas as outras vezes: exercite a empatia. Procure pessoas com pontos de vista e argumentos diferentes (e distantes) dos seus. Ouça o que ele tem a dizer com atenção, sem tentar convencê-la. Quando você tiver dimensão de todos os atores e espectros de opiniões envolvidos na questão, ficará mais fácil descobrir os interesses por trás. Se assim for o seu caso, desconfie. Toda unanimidade é burra.
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